Ariano Suassuna - O Romance d´A Pedra do Reino

sexta-feira, 2 de março de 2012


Clube de Leituras: O Romance d'A Pedra do Reino
Por Idelber Avelar, no Biscoito Fino e a Massa.

Ariano Suassuna
Publicado em 1971, o Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, foi elogiadíssimo na época do lançamento e teve tiragens surpreendentes, considerando-se que a obra é tão longa e complexa. Ela tem um estatuto curioso na literatura brasileira: conta com leitores apaixonados, mas eles foram se tornando, ao longo dos anos, cada vez mais escassos. Não seria exagerado dizer que já se trata de um romance canônico, mas sua fortuna crítica não é exatamente extensa ou iluminadora. [...] 

Tentar defini-lo já é um baita desafio. Como uma epopéia, ele narra a história de guerreiros identificados com um povo. A épica se torna farsa, no entanto, já que os ideais que regem as batalhas parecem anacrônicos, às vezes cômicos e sempre meio divorciados da realidade. Como numa picaresca, a história é narrada em primeira pessoa por um sujeito destituído que deve legitimar-se ante uma autoridade. Como num romance de cavalaria, o herói deve restaurar uma ordem perdida, em meio a brasões, insígnias e todo um aparato de símbolos. Quaderna se declara nada menos que Rei do Brasil, herdeiro da verdadeira família real – não aqueles “charlatães” dos Bragança, diz ele. O pano de fundo d'A Pedra do Reino é esse secular delírio monarquista no sertão brasileiro. 

A história é narrada por Pedro Dinis Ferreira-Quaderna em 1938, na prisão, acusado de ser parte de uma conspiração contra as autoridades constituídas. Para se defender, Quaderna volta um século, até a “primeira notícia dos Quaderna”, que se remonta à mítica pedra encontrada no Sertão do Pajeú, fronteira da Paraíba com Pernambuco. Depois de relatar a história de quatro Impérios dos seus antepassados no sertão – incluindo-se aí o terrível degolador Dom Ferreira-Quaderna, o execrável –, ele passa a reconstituir a sua própria trajetória, marcada por tentativas de restaurar esse sebastianismo sertanejo. Aí a obra entra em seus momentos mais cômicos. 

Ariano Suassuna disse uma vez, numa entrevista – e com Suassuna você nunca sabe quando ele está falando sério –, que o Brasil verdadeiro se localiza entre a Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Qualquer coisa a oeste do Rio Grande do Norte e ao sul de Sergipe já não é Brasil. É estrangeiro. O monarquismo de Quaderna se alimenta desse messianismo: ali no sertão profundo teria permanecido um núcleo mouro-ibérico heróico, não corrompido pelas frescuras do litoral burguês. 

Quaderna tem dois hilários gurus, Samuel, monárquico, conservador e tradicionalista, e Clemente, negro-tapuia, popular e revolucionário. A filosofia de Quaderna é um amálgama dessas duas influências, que produzem um divertido híbrido: um monarquista de esquerda. Para Samuel, Dom Pedro II (o de Bragança) foi um liberal subversivo que feriu de morte, em favor da plebe, os feudos da Aristocracia brasileira. Clemente, por sua vez, não aceita os Cantadores, porque deviam colocar a Arte deles a serviço do Povo, desmistificando e denunciando a sociedade feudal do Sertão. Dessa tensão Quaderna deriva seu monarquismo de esquerda: meu sonho é fazer do Brasil um Império do Belo Monte de Canudos, um Reino de república-popular, com a justiça e a verdade da Esquerda e com a beleza fidalga, os cavalos, o desfile, a grandeza, o sonho e as bandeiras da Monarquia Sertaneja!

Ainda há incontáveis aspectos não estudados no livro, mas o que eu me animaria a analisar, caso escrevesse sobre o livro no futuro, seria o processo pelo qual um movimento monárquico e restaurador passa a representar anseios genuinamente populares. O livro se apóia numa estranha aliança de classes que une os mais miseráveis com os mais aristocráticos contra a superficialidade e a viadagem burguesas. Sertanejos e fidalgos teriam em comum o respeito pelos rituais e a compreensão do poder dos símbolos. Apesar do que pode parecer, não se trata de uma mensagem facilmente identificável como conservadora. Aliás, uma das questões que orientou nossas discussões em sala foi uma singela pergunta: até que ponto esses valores seriam algo que a obra está subscrevendo? Até que ponto eles seriam algo que está sendo ironizado no romance? A pergunta é simples. A resposta eu já não sei. A bola é de vocês. 

DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
SUASSUNA, Ariano. O Romance d´A Pedra do Reino e o princípe do vai-e-volta. Rio de Janeiro, José Olympio, 2007. 754 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
Auto da compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 1957, 1979, 1986, 1997, 2005. 186 p. (10 exs.)
O casamento suspeitoso. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 125 p. (2 exs)
Fernando e Isaura. Recife: Bagaço, 1994. 155 p. (8 exs.)
Iniciação à estética. Recife: UFPE, 1975. 287 p. (3 exs.)
A pena e a lei. São Paulo: Agir, 1971. 207 p. (2 exs)
Poemas. Recife: Ed. Universitária, 1999. 267 p.
O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. 153 p. (3 exs.)
Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. 195 p. (2 exs.)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
O Romance d´A Pedra do Reino e o princípe do vai-e-volta. Rio de Janeiro, José Olympio, 1971, 1972, 1976, 2007. 754 p. (8 exs.)
O casamento suspeitoso. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 125 p. (2 exs)
Farsa da boa freguiça. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 334 p.
História d´o rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da onça caetana.  Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. 135 p. (2 exs)
Iluminogravuras: a pena e o pincel de Ariano Suassuna. Recife: CELPE, 2003. (3 exs)
Iniciação à estética. Recife: UFPE, 1975. 287 p. (5 exs)
A pena e a lei. São Paulo: Agir, 1971. 207 p. (2 exs)
Poemas. Recife: Ed. Universitária, 1999. 267 p. ( 2 exs)
O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. Ilust. 79 p. (3 exs.)

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