Fiodor M. Dostoievski (por Hamilton Nogueira)

segunda-feira, 4 de junho de 2012


Dostoiévski,
Introdução do ensaio de Hamilton Nogueira 
(2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974)
(disponível para empréstimo no setor Circulante).

Dostoiévski é o grande transfigurador da sensibilidade moderna. Quem uma vez entrou em contato com a sua alma ardente de profeta sai de qualquer modo transformado. Há nas suas obras uma projeção tumultuosa do infinito. Novos horizontes se desdobram diante do nosso espírito, uma nova claridade parece iluminar o mundo, e mesmo quando tudo parece perdido, aniquilado, a consciência do mistério da eternidade e da vida restabelece o encontro com a realidade universal.

Essa volta ao tempo, essa possibilidade de recomeçar a viver, de contrariar o destino, de vencer o desesepero e a loucura, confere à tragédia dostoievskiana um caráter verdadeiramente inconfundível, dá-lhe um sentido amplo, profundo, como não se encontra em nenhuma tragédia realizada no domínio da ficção, nem em tantas e tantas outras realmente vividas.

É verdade que nem todos os seres criados por Dostoievski conseguem articular-se ao jogo incerto das relações humanas, nem todos voltam vitoriosos das suas experiências, mas essa falange de humildes, de fracassados, de vencidos, nos oferece uma lição de amor e de respeito à vida.

Essas criaturas não realizam apenas a sua finalidade individual, cada uma delas é um irmão que sofre um destino comum e contribui com a sua parcela de sofrimento para a expiação do grande pecado do orgulho e da vaidade.

O mais obscuro dos homens é sempre um homem e leva o nome de irmão.

Estas palavras pronunciadas por um dos personagens de Humilhados e Ofendidos, justamente depois de ouvir uma narrativa, cujo herói era um simples funcionário semelhante a tantos outros que vivem a mediocridade da sua vida, revelam a imensa piedade de Dostoiévski, a sua participação sincera o drama íntimo de cada ser humano, não apenas como espectador do sofrimento universal, mas como um companheiro de jornada que vem animar, com a sua experiência e a sua profunda compreensão da vida, aqueles que tangenciam os limites do desespero.

Dostoiévski tem sempre alguma coisa que dizer aos homens. Palavras de revolta são pronunciadas por personagens dos seus romances, sentimentos de ódio, desejos de vingança, toda uma série de tendências e de paixões que revelam o lado escuro, a trama misteriosa de uma natureza decaída, afloram a cada momento nos seus livros atormentados e alucinantes. Mas essa mescla de idéias contrárias, de sentimentos divergentes, de aspirações inconfessáveis e de desejos puros, esses retalhos de uma humanidade fragmentada pelas forças dispersivas do mal, longe de dar-nos uma idéia caótica, desordenada, de um mundo que caminha para um destino irreparável e limitado às suas condições temporais, mostra-nos antes a realização de um plano divino, misterioso na essência, mas tangível, em muitos dos seus aspectos, pela luz da fé, e mesmo pela própria luz da razão natural.

[...]

Essa série imensam não se sabe se de criaturas ou de fantasmas, essa multidão de loucos e de santos, de criminosos, de staretz, de barinas, de mujiquesm essa humanidade que parece ter sido plasmada num plano diferente do nosso, exerce sobre nós uma impressão tão profunda, que, jamais, talvez, possamos subtrair-nos complementamente de sua poderosa influência.

Todos esses seres estranhos farão parte integrante da nossa vida, serão símbolos das nossas vitórias ou das nossas decepções. Neste ou naquele momento da existência, quaisquer que sejam as idéias que nos atormentem, quaisquer que sejam os problemas que nos preocupem, teremos sempre um companheiro dentro da inesgotável criação dostoievskiana. Consoante nosso estado de espírito ressurgirão do subconsciente um Karamazov, um Stavroguine, um Kirilov, um Hipólito, um Raskolnikov e mesmo um Verkhovenski.

É que eles constituem a estrutura mesma do nosso mundo interior. São fragmentos da nossa alma, são as tendências instintivas, as aspirações e os sentimentos adormecidos nas regiões mais íntimas e profundas do nosso ser, libertados e animados de vida pelo gênio criador de Dostoiévski.

Em Dostoévski, tão grande é a agitação de sua vida interior, tão vibrátil é a sua afetividade, tão intenso é o conflito entre o homem velho, marcado com o sinal do pecado, e o homem novo restaurado pela graça, que esses fantasmas libertados tumultuosamente do seu espírito convervam sempre alguma coisa da nudez e da simplicidaede original das idéias.

São almas apenas revestidas de carne, criaturas humanas inacabadas, cuja atividade parece exercer-se acima do tempo, para além das limitações dos círculos geométricos. Profundamente dinâmicas, elas se movem, no plano da tragédia, com uma rapidez alucinante.


LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. 15 exemplares, diversas edições.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os demônios. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. 646 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Humilhados e ofendidos. São Paulo: Nova Alexandria, c2003. 328 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. O idiota. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. 628 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. O idiota. São Paulo: Martin Claret, 2008. 679 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamázovi. São Paulo: Abril Cultural, c1971. 535 p. (4 exs.)
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamázovi. São Paulo: Martin Claret, 2006. 760 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Um jogador: apontamentos de um homem moço. São Paulo: Ed. 34, 2004. 225 p.(5 exs)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
DOSTOIEVSKI, Fiodor. A casa dos mortos. São Paulo: Edibolso, c1978. 312 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. 6 exemplares, diversas edições.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os demônios. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. 646 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Uma história lamentável. São Paulo: Paz e Terra, 1997. 101 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Memória da casa dos mortos. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 19--?. 303 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Noites brancas e outras histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. 513 p.