Fiodor M. Dostoievski (por Hamilton Nogueira)

segunda-feira, 4 de junho de 2012


Dostoiévski,
Introdução do ensaio de Hamilton Nogueira 
(2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974)
(disponível para empréstimo no setor Circulante).

Dostoiévski é o grande transfigurador da sensibilidade moderna. Quem uma vez entrou em contato com a sua alma ardente de profeta sai de qualquer modo transformado. Há nas suas obras uma projeção tumultuosa do infinito. Novos horizontes se desdobram diante do nosso espírito, uma nova claridade parece iluminar o mundo, e mesmo quando tudo parece perdido, aniquilado, a consciência do mistério da eternidade e da vida restabelece o encontro com a realidade universal.

Essa volta ao tempo, essa possibilidade de recomeçar a viver, de contrariar o destino, de vencer o desesepero e a loucura, confere à tragédia dostoievskiana um caráter verdadeiramente inconfundível, dá-lhe um sentido amplo, profundo, como não se encontra em nenhuma tragédia realizada no domínio da ficção, nem em tantas e tantas outras realmente vividas.

É verdade que nem todos os seres criados por Dostoievski conseguem articular-se ao jogo incerto das relações humanas, nem todos voltam vitoriosos das suas experiências, mas essa falange de humildes, de fracassados, de vencidos, nos oferece uma lição de amor e de respeito à vida.

Essas criaturas não realizam apenas a sua finalidade individual, cada uma delas é um irmão que sofre um destino comum e contribui com a sua parcela de sofrimento para a expiação do grande pecado do orgulho e da vaidade.

O mais obscuro dos homens é sempre um homem e leva o nome de irmão.

Estas palavras pronunciadas por um dos personagens de Humilhados e Ofendidos, justamente depois de ouvir uma narrativa, cujo herói era um simples funcionário semelhante a tantos outros que vivem a mediocridade da sua vida, revelam a imensa piedade de Dostoiévski, a sua participação sincera o drama íntimo de cada ser humano, não apenas como espectador do sofrimento universal, mas como um companheiro de jornada que vem animar, com a sua experiência e a sua profunda compreensão da vida, aqueles que tangenciam os limites do desespero.

Dostoiévski tem sempre alguma coisa que dizer aos homens. Palavras de revolta são pronunciadas por personagens dos seus romances, sentimentos de ódio, desejos de vingança, toda uma série de tendências e de paixões que revelam o lado escuro, a trama misteriosa de uma natureza decaída, afloram a cada momento nos seus livros atormentados e alucinantes. Mas essa mescla de idéias contrárias, de sentimentos divergentes, de aspirações inconfessáveis e de desejos puros, esses retalhos de uma humanidade fragmentada pelas forças dispersivas do mal, longe de dar-nos uma idéia caótica, desordenada, de um mundo que caminha para um destino irreparável e limitado às suas condições temporais, mostra-nos antes a realização de um plano divino, misterioso na essência, mas tangível, em muitos dos seus aspectos, pela luz da fé, e mesmo pela própria luz da razão natural.

[...]

Essa série imensam não se sabe se de criaturas ou de fantasmas, essa multidão de loucos e de santos, de criminosos, de staretz, de barinas, de mujiquesm essa humanidade que parece ter sido plasmada num plano diferente do nosso, exerce sobre nós uma impressão tão profunda, que, jamais, talvez, possamos subtrair-nos complementamente de sua poderosa influência.

Todos esses seres estranhos farão parte integrante da nossa vida, serão símbolos das nossas vitórias ou das nossas decepções. Neste ou naquele momento da existência, quaisquer que sejam as idéias que nos atormentem, quaisquer que sejam os problemas que nos preocupem, teremos sempre um companheiro dentro da inesgotável criação dostoievskiana. Consoante nosso estado de espírito ressurgirão do subconsciente um Karamazov, um Stavroguine, um Kirilov, um Hipólito, um Raskolnikov e mesmo um Verkhovenski.

É que eles constituem a estrutura mesma do nosso mundo interior. São fragmentos da nossa alma, são as tendências instintivas, as aspirações e os sentimentos adormecidos nas regiões mais íntimas e profundas do nosso ser, libertados e animados de vida pelo gênio criador de Dostoiévski.

Em Dostoévski, tão grande é a agitação de sua vida interior, tão vibrátil é a sua afetividade, tão intenso é o conflito entre o homem velho, marcado com o sinal do pecado, e o homem novo restaurado pela graça, que esses fantasmas libertados tumultuosamente do seu espírito convervam sempre alguma coisa da nudez e da simplicidaede original das idéias.

São almas apenas revestidas de carne, criaturas humanas inacabadas, cuja atividade parece exercer-se acima do tempo, para além das limitações dos círculos geométricos. Profundamente dinâmicas, elas se movem, no plano da tragédia, com uma rapidez alucinante.


LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. 15 exemplares, diversas edições.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os demônios. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. 646 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Humilhados e ofendidos. São Paulo: Nova Alexandria, c2003. 328 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. O idiota. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. 628 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. O idiota. São Paulo: Martin Claret, 2008. 679 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamázovi. São Paulo: Abril Cultural, c1971. 535 p. (4 exs.)
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamázovi. São Paulo: Martin Claret, 2006. 760 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Um jogador: apontamentos de um homem moço. São Paulo: Ed. 34, 2004. 225 p.(5 exs)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
DOSTOIEVSKI, Fiodor. A casa dos mortos. São Paulo: Edibolso, c1978. 312 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. 6 exemplares, diversas edições.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os demônios. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. 646 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Uma história lamentável. São Paulo: Paz e Terra, 1997. 101 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Memória da casa dos mortos. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 19--?. 303 p.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Noites brancas e outras histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. 513 p.

Fustel de Coulanges - A Cidade Antiga

terça-feira, 17 de abril de 2012



Fustel de Coulanges
Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma 'A Cidade Antiga' é um tratado sobre a civilização greco-romana. Religião, política, costumes, instituições - o erudito historiador Fustel de Coulanges realiza um estudo exaustivo da formação da cultura e Estado clássicos, seu desenvolvimento, dinâmica, caraterísticas e transformação ao longo do tempo que perdurou a civilização greco-romana. Descreve-se e se analisa seu florescimento, ascensão e queda. Segundo ele a obtenção do verdadeiro conhecimento desses povos exige que os estudemos sem a idéia fixa de considerá-los como nós, dado o fato de sermos seus herdeiros culturais; é preciso estudá-los como se nos fossem inteiramente estranhos. O segundo princípio é a necessidade e condição sine qua non de considerar as crenças religiosas desses povos para compreender suas instituições em geral, sem o que estas surgirão obscuras, extravagantes e inexplicáveis diante de nosso olhos.



DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
FUSTEL DE COULANGES. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. São Paulo: Hemus, c2000. 310 p.

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
FUSTEL DE COULANGES. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. Lisboa: Liv. Clássica Brasileira, 1941. 5 ed
FUSTEL DE COULANGES. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. São Paulo: [s.n.], 2000. 641 p.

Ariano Suassuna - O Romance d´A Pedra do Reino

sexta-feira, 2 de março de 2012


Clube de Leituras: O Romance d'A Pedra do Reino
Por Idelber Avelar, no Biscoito Fino e a Massa.

Ariano Suassuna
Publicado em 1971, o Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, foi elogiadíssimo na época do lançamento e teve tiragens surpreendentes, considerando-se que a obra é tão longa e complexa. Ela tem um estatuto curioso na literatura brasileira: conta com leitores apaixonados, mas eles foram se tornando, ao longo dos anos, cada vez mais escassos. Não seria exagerado dizer que já se trata de um romance canônico, mas sua fortuna crítica não é exatamente extensa ou iluminadora. [...] 

Tentar defini-lo já é um baita desafio. Como uma epopéia, ele narra a história de guerreiros identificados com um povo. A épica se torna farsa, no entanto, já que os ideais que regem as batalhas parecem anacrônicos, às vezes cômicos e sempre meio divorciados da realidade. Como numa picaresca, a história é narrada em primeira pessoa por um sujeito destituído que deve legitimar-se ante uma autoridade. Como num romance de cavalaria, o herói deve restaurar uma ordem perdida, em meio a brasões, insígnias e todo um aparato de símbolos. Quaderna se declara nada menos que Rei do Brasil, herdeiro da verdadeira família real – não aqueles “charlatães” dos Bragança, diz ele. O pano de fundo d'A Pedra do Reino é esse secular delírio monarquista no sertão brasileiro. 

A história é narrada por Pedro Dinis Ferreira-Quaderna em 1938, na prisão, acusado de ser parte de uma conspiração contra as autoridades constituídas. Para se defender, Quaderna volta um século, até a “primeira notícia dos Quaderna”, que se remonta à mítica pedra encontrada no Sertão do Pajeú, fronteira da Paraíba com Pernambuco. Depois de relatar a história de quatro Impérios dos seus antepassados no sertão – incluindo-se aí o terrível degolador Dom Ferreira-Quaderna, o execrável –, ele passa a reconstituir a sua própria trajetória, marcada por tentativas de restaurar esse sebastianismo sertanejo. Aí a obra entra em seus momentos mais cômicos. 

Ariano Suassuna disse uma vez, numa entrevista – e com Suassuna você nunca sabe quando ele está falando sério –, que o Brasil verdadeiro se localiza entre a Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Qualquer coisa a oeste do Rio Grande do Norte e ao sul de Sergipe já não é Brasil. É estrangeiro. O monarquismo de Quaderna se alimenta desse messianismo: ali no sertão profundo teria permanecido um núcleo mouro-ibérico heróico, não corrompido pelas frescuras do litoral burguês. 

Quaderna tem dois hilários gurus, Samuel, monárquico, conservador e tradicionalista, e Clemente, negro-tapuia, popular e revolucionário. A filosofia de Quaderna é um amálgama dessas duas influências, que produzem um divertido híbrido: um monarquista de esquerda. Para Samuel, Dom Pedro II (o de Bragança) foi um liberal subversivo que feriu de morte, em favor da plebe, os feudos da Aristocracia brasileira. Clemente, por sua vez, não aceita os Cantadores, porque deviam colocar a Arte deles a serviço do Povo, desmistificando e denunciando a sociedade feudal do Sertão. Dessa tensão Quaderna deriva seu monarquismo de esquerda: meu sonho é fazer do Brasil um Império do Belo Monte de Canudos, um Reino de república-popular, com a justiça e a verdade da Esquerda e com a beleza fidalga, os cavalos, o desfile, a grandeza, o sonho e as bandeiras da Monarquia Sertaneja!

Ainda há incontáveis aspectos não estudados no livro, mas o que eu me animaria a analisar, caso escrevesse sobre o livro no futuro, seria o processo pelo qual um movimento monárquico e restaurador passa a representar anseios genuinamente populares. O livro se apóia numa estranha aliança de classes que une os mais miseráveis com os mais aristocráticos contra a superficialidade e a viadagem burguesas. Sertanejos e fidalgos teriam em comum o respeito pelos rituais e a compreensão do poder dos símbolos. Apesar do que pode parecer, não se trata de uma mensagem facilmente identificável como conservadora. Aliás, uma das questões que orientou nossas discussões em sala foi uma singela pergunta: até que ponto esses valores seriam algo que a obra está subscrevendo? Até que ponto eles seriam algo que está sendo ironizado no romance? A pergunta é simples. A resposta eu já não sei. A bola é de vocês. 

DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
SUASSUNA, Ariano. O Romance d´A Pedra do Reino e o princípe do vai-e-volta. Rio de Janeiro, José Olympio, 2007. 754 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
Auto da compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 1957, 1979, 1986, 1997, 2005. 186 p. (10 exs.)
O casamento suspeitoso. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 125 p. (2 exs)
Fernando e Isaura. Recife: Bagaço, 1994. 155 p. (8 exs.)
Iniciação à estética. Recife: UFPE, 1975. 287 p. (3 exs.)
A pena e a lei. São Paulo: Agir, 1971. 207 p. (2 exs)
Poemas. Recife: Ed. Universitária, 1999. 267 p.
O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. 153 p. (3 exs.)
Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. 195 p. (2 exs.)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
O Romance d´A Pedra do Reino e o princípe do vai-e-volta. Rio de Janeiro, José Olympio, 1971, 1972, 1976, 2007. 754 p. (8 exs.)
O casamento suspeitoso. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 125 p. (2 exs)
Farsa da boa freguiça. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. 334 p.
História d´o rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da onça caetana.  Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. 135 p. (2 exs)
Iluminogravuras: a pena e o pincel de Ariano Suassuna. Recife: CELPE, 2003. (3 exs)
Iniciação à estética. Recife: UFPE, 1975. 287 p. (5 exs)
A pena e a lei. São Paulo: Agir, 1971. 207 p. (2 exs)
Poemas. Recife: Ed. Universitária, 1999. 267 p. ( 2 exs)
O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. Ilust. 79 p. (3 exs.)

Jean-Paul Sartre - A Náusea




A Náusea, de Jean Paul Sartre
Por Marcelo Sobrinho Mendonça

Jean-Paul Sartre
Em "A Náusea", Sartre nos mostra Antoine Roquentin, um historiador letrado e viajado, que chega à cidade de Bouville ("boul" indicando "lama" e metaforicamente "impureza") a fim de escrever a biografia do marquês de Rollebon, figura pitoresca e de excentricidade fascinante, que vivera na cidade durante o século XVIII. Ao iniciar seus trabalhos, logo se desencanta de forma irreversível não só pela biografia, como também pela própria sociedade e condições humanas com as quais se depara em Bouville. Roquentin é, então, acometido por uma (a priori) estranha sensação de aversão ao ser humano e sua condição existencial - a "náusea". Cercada de um niilismo exacerbado e elucubrações de alta profundidade intelectual, "A Náusea" nos mostra um protagonista despadronizado e repelido pelas próprias contestações que faz a respeito da existência e sua falta de sentido, ou seja, a respeito da gratuidade e ilogicidade da existência, por si só desprovida de essência. Trata-se, portanto, da saga de um personagem conturbado e por vezes beirando a loucura, tal é a nudez existencial a que ele se expõe.


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. São Paulo: Cìrculo do Livro, 1989?. 272 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
Colonialismo e neocolonialismo.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968. 205 p.
A idade da razão. São Paulo: Abril Cultural, 1972. 362 p. (3 exs.)
O muro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 226 p.
Reflexões sobre o racismo. São Paulo: DIFEL, 1960. 149 p.
Sursis. São Paulo: DIFEL, 1967. 367 p. (2 exs.)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
Colonialismo e neocolonialismo.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968. 205 p.
Com a morte na alma. São Paulo: DIFEL, 1961. 300 p.
O diabo e o bom deus: três atos e onze quadros. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. 235 p.
Diário de um guerra estranha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. 433 p.
Esboço de uma teoria das emoções. Lisboa: Editorial Presença, 19--?. 149 p.
O existencialismo é um humanismo. Lisboa, Editorial Presença., 1970. 307 p. (3 exs.)
O existencialismo é um humanismo; A imaginação. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 191 p.
A imaginação. São Paulo: DIFEL, 1964. 122 p.
Questão de método. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966. 146 p.
Reflexões sobre o racismo. São Paulo: DIFEL, 1960. 149 p. 
Sursis. São Paulo: DIFEL, 1967. 367 p.

Arthur Koestler - O Zero e o Infinito

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012



 O Zero e o Infinito
"Trecho da contra-capa do livro"

Arthur Koestler
O Zero e o Infinito é um livro de grande significado e importância. Quando apareceu, em 1941, esclareceu muitos dos processos por crime de traição, realizados em Moscou, bem como dá o significado das abjetas confissões, surpreendentes para a inteligência ocidental. Hoje, sua leitura é ainda mais imperiosa para quantos queiram compreender o ênfase com que os comunistas subordinam os meios aos fins. Livro curto, é um milagre de compressão: transmite em forma dramática a essência de tôda a filosofia política marxista e as diferenças básicas entre duas atitudes em conflito, para uma das quais o individuo tem importância suprema, enquanto para outra o fim mais almejado é a sua completa subordinação ao Estado.

Contudo, seria de todo ilusório sugerir que se trata de uma novela didático como “A Cabana do Pai Tomás”. Embora seja o retrato de uma nação e de um sistema de vida, é principalmente o retrato de um indivíduo. Koestler fêz o seu protagonista, o velho bolchevique Rubachov, representar tôda a humanidade, e na sua morte todos estamos comprometidos. Em nenhum passo a moral é posta em relêvo, sempre que pode, evita as deduções. Não há apartes. Só a ironia proporciona a chave, O conflito moral se desenvolve dramaticamente nos pensamentos e nas lembranças do seu herói, nas inquirições e reinquirições diante dos magistrados policiais, e nas suas relações com os companheiros de prisão — particularmente nas conversas, por meio de percussão na parede da cela, com um russo branco, um tipo que ele não pode deixar de desprezar.

Exausto, desiludido, Rubachov se desprende de anos de pensamento disciplinado para chegar à compreensão do que aprendeu a chamar de “ficção gramatical”, o “eu”, que apenas se resume a mais um zero no sistema econômico. É uma das histórias clássicas de prisão, uma história de crime e castigo em vários níveis e com diversos subentendidos morais e filosóficos. Em último análise, é uma história da alma humana com novos símbolos para o Cristo e o Anticristo, e que persistentemente afirma a grandeza do ser humano.


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
KOESTLER, Arthur. O Zero e o Infinito. Rio de Janeiro: Globo, 1964. 191 p. (2 exs.)

George Orwell - 1984


 
1984: A profecia moderna de George Orwell

George Orwell
A segunda Guerra terminou! E o totalitarismo se expande e é levado até suas últimas consequências. Assim acontece no livro de George Orwell, ficção feita como aviso ao futuro sobre os males que o autor identificara na sua ideologia prévia, no momento de sua desilusão com o comunismo.

Lá no livro está o Partido Socialista Inglês, o super-partido que é a razão última da existência e agente coletivo do poder. Gramsci se sentiria em casa, pois o seu príncipe partidário e maquiavélico é facilmente reconhecível no Grande Irmão Orwelliano. Não se honra o país, a família, a religião; se vive e se honra somente o partido. O partido de 1984 é eterno, onisciente, onipotente e onipresente numa caricatura porca da Divindade renegada pelos homens. É o fechamento do ser humano à transcendência como Voegelin bem notara em sua época.

Lá está o duplipensar, caracterizado por aceitar contradições óbvias e acabar num emburrecimento completo, tornando-se incapaz de enxergar o óbvio perante o nariz. O Estado laico proíbe cristianismo nas escolas, mas ao mesmo tempo estimula o ensino das religiões africanas. O Estado não permite pena de morte, mas estimula a morte maciça de crianças no abortamento. O Estado prega a igualdade de direitos, mas favorece minorias declaradamente. O Estado prega a distribuição de renda, mas na verdade acumula poder num partido que engloba e afunda a noção de país soberano. O Estado proíbe drogas, mas está aliado a narcotraficantes terroristas de outros países.

Em 1984 encontramos o controle dos pensamentos, um politicamente correto de nossos dias levado às últimas consequências. Lá o indivíduo é uma ilusão, e somente o coletivo do partido existe e é eterno.

Lá está a novafala (ou novilíngua), com seus conceitos que proíbem pensamentos. E aqui temos as palavras que são imbuídas de preconceitos paralisantes e dementes. O reacionário, a direita, o católico, o crente, o religioso, o certinho, e tantas outras palavras que são muitas vezes assumidas ou ditas com um pedido encoberto e covarde de desculpas.

Lá está o subjetivismo moderno e a recusa de uma realidade objetiva, subjetivismo este que motiva nossa política e nossa iletrada classe letrada.

O'Brien, o terrível agente da Polícia das Idéias e carrasco do Ministério do Amor (onde se encontram os presos políticos), hoje é visto nos nossos intelectuais subjetivistas e niilistas, que apóiam partidos e desconstroem o passado e a realidade. Como Viktor Frankl dizia, a culpa dos campos de concentração está nos filósofos niilistas ganhadores de prêmios internacionais.

O passado no 1984 inclemente de Orwell é um brinquedo na mão do partido. Fatos são reescritos e a memória se perde num emaranhado de anseios políticos de dominação. Hoje nossos livros de história são porcamente escritos com propagandas descaradas que elogiam genocidas brutais e desumanos como Stalin e Mao.

Orwell captou bem o objetivo da elite pensante por trás das ideologias de massa: acumulação do poder, da força. Criar uma nova elite brutalmente poderosa. Controlar são só a economia, mas a mente e o coração.

O núcleo do partido deixou de ser composto por guerreiros e nobres, tornando-se uma elite de burocratas intelectuais. O resto do partido se enquadra no que Lênin chamava de inocentes úteis, passíveis de serem eliminados uma vez que se tornassem inconvenientes. O proletário continua proletário, mais pobre e mais oprimido, achando que melhorou, manobrado pelas idéias de seus governantes. Os inocentes úteis são os nossos intelectuais de segunda ordem, os professores e sociólogos que acham fazer um bem ao pregar suas ideologias ultrapassadas.

Ainda bem que Orwell não viveu para ver o Brasil de hoje! Ele morreria muito preocupado, percebendo que suas palavras foram jogadas ao vento.

E no fim, o herói morre aprendendo uma severa lição: quando finalmente o ser humano se dobrar de corpo e alma à tirania, seu prêmio irremediavelmente será a aniquilação...


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Ed. Nacional, 1979. 277 p.
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. 277 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
A caminho de Wigan. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 225 p.
Dias na Birmânia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. 351 p.
A filha do reverendo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 319 p. (2 exs.)
Mantenha o sistema. São Paulo: Hemus, c1936. 257 p.
Na sombra de 1984: um pouco de ar, por favor! São Paulo: Hemus, 1973. 233 p.
A Revolução dos Bichos. Porto Alegre: Globo, 1972. 135 p.
A Revolução dos Bichos. Porto Alegre: Globo, 1979. 135 p.
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Abril Cultural, 1982. 137 p. ( 2 exs)
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Globo, 1997. 98 p. (2 exs)
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Globo, 2000. 1 v. p. (3 exs)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
Animal farm. New York: Signet classic, c1946. 128 p.

LIVROS DO AUTOR NA SEÇÃO BRAILLE:
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Impr. Braille, 19--?. 1 v.p. (2 exs.)

Albert Camus - O Estrangeiro



Crime sem passado ou futuro
Por Pedro Zambarda, no Bola da Foca.

Albert Camus
O Sol, um revólver, a indiferença perante à perda da mãe e o subdesenvolvimento da Argélia. Em uma ficção breve, com frases secas e personagens enigmáticos, o escritor, jornalista e intelectual pied noir (argelino de origem francesa) Albert Camus marcou o século XX com o livro O Estrangeiro (nome original: L´Étranger), em 1942. Seu enredo aborda a vida do personagem Mersault, um homem que comete um cruel assassinato sem uma única justificativa. Essa história rendeu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura de 1957, sendo o primeiro africano a receber tal reconhecimento.

Começando por um velório, que deveria supor um sentimento de angústia, somos apresentados ao protagonista que vê a situação de uma forma mais sistemática. "Tudo se passou, então, com tanta rapidez, certeza e naturalidade, que já não me lembro mais de nada" exclama Mersault, sem nenhuma forte afirmação de lamento ou perda. No desenvolvimento da história, ele possui uma relação supostamente sentimental com a namorada Marie, mas a descrição de seus encontros revela um interesse mais carnal do protagonista.

Com uma narrativa que parece retirar os fatos do cotidiano, como uma espécie de diário, a trama segue até uma praia argelina onde Mersault, Marie e os amigos Raymond e Masson são abordados por um grupo de árabes. O confronto na praia termina com o protagonista disparando cinco tiros de seu revólver contra uma vítima desarmada, sem ter aparentemente um motivo plausível para tal reação. Um tiro derruba o suposto inimigo e mais quatro são disparados contra um corpo inerte. "Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz" narra Mersault, fazendo uma descrição que transforma o Sol, o calor e seu ato horrendo em um único retrato, com um significado que não está descrito nos tribunais que vão julgá-lo.

Essa mudança central no roteiro, que se torna fonte de todas as situações na prisão de Mersault, mostram que o personagem não se arrepende do que fez, mesmo diante da sociedade e da cobrança de uma ética em sua recuperação. E ele ainda teoriza sobre a vida na prisão, tendo um raciocínio totalmente fora da normalidade: "compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldade passar cem anos numa prisão".

O que Mersault revela, sendo uma criação distinta de Albert Camus, é que ele é um indivíduo que vive o chamado "estado de absurdo", explorado tanto na filosofia como nas artes, especialmente a dramaturgia. A pessoa absurda não está ligada ao passado histórico e cultural e, por isso, é livre de qualquer lógica e pode cometer qualquer ato impensado. Quando não há ligação com o futuro, essa pessoa também deixa de temer possíveis consequências de seus atos.

Do crime aos tribunais, Camus mostra nesse romance o retrato de seu tempo: ele foi um jornalista engajado na época da Segunda Guerra Mundial e das bombas atômicas. Mersault é a encarnação das aberrações que surgiram no século XX, fruto de um pensamento que rompeu com as tradições da modernidade, apesar do absurdo não ser um tema exclusivo de determino período histórico.

Pode-se condenar Mersault por seu assassinato, mas sua mente não sente culpa ou remorso. Ao transferir seu ponto de vista ao do personagem, porém, não podemos mais recriminá-lo, especialmente porque ele não acredita na justiça dos homens. "Durante as falas do promotor e do meu advogado, posso dizer que se falou muito de mim, e talvez até mais de mim do que do meu crime. Eram, aliás, assim tão diferentes os discursos?"

Um bom livro para ler em uma única tarde, tendo pouco mais do que 120 páginas em média, com frases e parágrafos curtos e diretos, embora o personagem seja fruto de análise profunda para muitos outros processos, situações ou mesmo épocas distintas.


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, c1957. 122 p. (2 ex.)
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1972. 154 p. (3 exs.)
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 1995. 122 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
Estado de sítio; O estrangeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. 298 p. (5 exs.)
O exílio e o reino. Rio de Janeiro: Record, 1997. 174 p. (2 exs.)
A morte feliz. Rio de Janeiro: Record, 1971. 147 p.
Núpcias, o verão. Rio de Janeiro: 1979. 143 p.
A queda. Rio de Janeiro: Record, c1956. 114 p.

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
Calígula: peça em quatro atos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. 135 p.
O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989. 162 p.
A morte feliz. Rio de Janeiro: Record, 1971. 147 p. 
Núpcias, o verão. Rio de Janeiro: 1979. 143 p.
A peste.  Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1973. 283 p. (2 exs.)