Arthur Koestler - O Zero e o Infinito

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012



 O Zero e o Infinito
"Trecho da contra-capa do livro"

Arthur Koestler
O Zero e o Infinito é um livro de grande significado e importância. Quando apareceu, em 1941, esclareceu muitos dos processos por crime de traição, realizados em Moscou, bem como dá o significado das abjetas confissões, surpreendentes para a inteligência ocidental. Hoje, sua leitura é ainda mais imperiosa para quantos queiram compreender o ênfase com que os comunistas subordinam os meios aos fins. Livro curto, é um milagre de compressão: transmite em forma dramática a essência de tôda a filosofia política marxista e as diferenças básicas entre duas atitudes em conflito, para uma das quais o individuo tem importância suprema, enquanto para outra o fim mais almejado é a sua completa subordinação ao Estado.

Contudo, seria de todo ilusório sugerir que se trata de uma novela didático como “A Cabana do Pai Tomás”. Embora seja o retrato de uma nação e de um sistema de vida, é principalmente o retrato de um indivíduo. Koestler fêz o seu protagonista, o velho bolchevique Rubachov, representar tôda a humanidade, e na sua morte todos estamos comprometidos. Em nenhum passo a moral é posta em relêvo, sempre que pode, evita as deduções. Não há apartes. Só a ironia proporciona a chave, O conflito moral se desenvolve dramaticamente nos pensamentos e nas lembranças do seu herói, nas inquirições e reinquirições diante dos magistrados policiais, e nas suas relações com os companheiros de prisão — particularmente nas conversas, por meio de percussão na parede da cela, com um russo branco, um tipo que ele não pode deixar de desprezar.

Exausto, desiludido, Rubachov se desprende de anos de pensamento disciplinado para chegar à compreensão do que aprendeu a chamar de “ficção gramatical”, o “eu”, que apenas se resume a mais um zero no sistema econômico. É uma das histórias clássicas de prisão, uma história de crime e castigo em vários níveis e com diversos subentendidos morais e filosóficos. Em último análise, é uma história da alma humana com novos símbolos para o Cristo e o Anticristo, e que persistentemente afirma a grandeza do ser humano.


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
KOESTLER, Arthur. O Zero e o Infinito. Rio de Janeiro: Globo, 1964. 191 p. (2 exs.)

George Orwell - 1984


 
1984: A profecia moderna de George Orwell

George Orwell
A segunda Guerra terminou! E o totalitarismo se expande e é levado até suas últimas consequências. Assim acontece no livro de George Orwell, ficção feita como aviso ao futuro sobre os males que o autor identificara na sua ideologia prévia, no momento de sua desilusão com o comunismo.

Lá no livro está o Partido Socialista Inglês, o super-partido que é a razão última da existência e agente coletivo do poder. Gramsci se sentiria em casa, pois o seu príncipe partidário e maquiavélico é facilmente reconhecível no Grande Irmão Orwelliano. Não se honra o país, a família, a religião; se vive e se honra somente o partido. O partido de 1984 é eterno, onisciente, onipotente e onipresente numa caricatura porca da Divindade renegada pelos homens. É o fechamento do ser humano à transcendência como Voegelin bem notara em sua época.

Lá está o duplipensar, caracterizado por aceitar contradições óbvias e acabar num emburrecimento completo, tornando-se incapaz de enxergar o óbvio perante o nariz. O Estado laico proíbe cristianismo nas escolas, mas ao mesmo tempo estimula o ensino das religiões africanas. O Estado não permite pena de morte, mas estimula a morte maciça de crianças no abortamento. O Estado prega a igualdade de direitos, mas favorece minorias declaradamente. O Estado prega a distribuição de renda, mas na verdade acumula poder num partido que engloba e afunda a noção de país soberano. O Estado proíbe drogas, mas está aliado a narcotraficantes terroristas de outros países.

Em 1984 encontramos o controle dos pensamentos, um politicamente correto de nossos dias levado às últimas consequências. Lá o indivíduo é uma ilusão, e somente o coletivo do partido existe e é eterno.

Lá está a novafala (ou novilíngua), com seus conceitos que proíbem pensamentos. E aqui temos as palavras que são imbuídas de preconceitos paralisantes e dementes. O reacionário, a direita, o católico, o crente, o religioso, o certinho, e tantas outras palavras que são muitas vezes assumidas ou ditas com um pedido encoberto e covarde de desculpas.

Lá está o subjetivismo moderno e a recusa de uma realidade objetiva, subjetivismo este que motiva nossa política e nossa iletrada classe letrada.

O'Brien, o terrível agente da Polícia das Idéias e carrasco do Ministério do Amor (onde se encontram os presos políticos), hoje é visto nos nossos intelectuais subjetivistas e niilistas, que apóiam partidos e desconstroem o passado e a realidade. Como Viktor Frankl dizia, a culpa dos campos de concentração está nos filósofos niilistas ganhadores de prêmios internacionais.

O passado no 1984 inclemente de Orwell é um brinquedo na mão do partido. Fatos são reescritos e a memória se perde num emaranhado de anseios políticos de dominação. Hoje nossos livros de história são porcamente escritos com propagandas descaradas que elogiam genocidas brutais e desumanos como Stalin e Mao.

Orwell captou bem o objetivo da elite pensante por trás das ideologias de massa: acumulação do poder, da força. Criar uma nova elite brutalmente poderosa. Controlar são só a economia, mas a mente e o coração.

O núcleo do partido deixou de ser composto por guerreiros e nobres, tornando-se uma elite de burocratas intelectuais. O resto do partido se enquadra no que Lênin chamava de inocentes úteis, passíveis de serem eliminados uma vez que se tornassem inconvenientes. O proletário continua proletário, mais pobre e mais oprimido, achando que melhorou, manobrado pelas idéias de seus governantes. Os inocentes úteis são os nossos intelectuais de segunda ordem, os professores e sociólogos que acham fazer um bem ao pregar suas ideologias ultrapassadas.

Ainda bem que Orwell não viveu para ver o Brasil de hoje! Ele morreria muito preocupado, percebendo que suas palavras foram jogadas ao vento.

E no fim, o herói morre aprendendo uma severa lição: quando finalmente o ser humano se dobrar de corpo e alma à tirania, seu prêmio irremediavelmente será a aniquilação...


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Ed. Nacional, 1979. 277 p.
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. 277 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
A caminho de Wigan. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 225 p.
Dias na Birmânia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. 351 p.
A filha do reverendo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 319 p. (2 exs.)
Mantenha o sistema. São Paulo: Hemus, c1936. 257 p.
Na sombra de 1984: um pouco de ar, por favor! São Paulo: Hemus, 1973. 233 p.
A Revolução dos Bichos. Porto Alegre: Globo, 1972. 135 p.
A Revolução dos Bichos. Porto Alegre: Globo, 1979. 135 p.
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Abril Cultural, 1982. 137 p. ( 2 exs)
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Globo, 1997. 98 p. (2 exs)
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Globo, 2000. 1 v. p. (3 exs)

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
Animal farm. New York: Signet classic, c1946. 128 p.

LIVROS DO AUTOR NA SEÇÃO BRAILLE:
A Revolução dos Bichos. São Paulo: Impr. Braille, 19--?. 1 v.p. (2 exs.)

Albert Camus - O Estrangeiro



Crime sem passado ou futuro
Por Pedro Zambarda, no Bola da Foca.

Albert Camus
O Sol, um revólver, a indiferença perante à perda da mãe e o subdesenvolvimento da Argélia. Em uma ficção breve, com frases secas e personagens enigmáticos, o escritor, jornalista e intelectual pied noir (argelino de origem francesa) Albert Camus marcou o século XX com o livro O Estrangeiro (nome original: L´Étranger), em 1942. Seu enredo aborda a vida do personagem Mersault, um homem que comete um cruel assassinato sem uma única justificativa. Essa história rendeu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura de 1957, sendo o primeiro africano a receber tal reconhecimento.

Começando por um velório, que deveria supor um sentimento de angústia, somos apresentados ao protagonista que vê a situação de uma forma mais sistemática. "Tudo se passou, então, com tanta rapidez, certeza e naturalidade, que já não me lembro mais de nada" exclama Mersault, sem nenhuma forte afirmação de lamento ou perda. No desenvolvimento da história, ele possui uma relação supostamente sentimental com a namorada Marie, mas a descrição de seus encontros revela um interesse mais carnal do protagonista.

Com uma narrativa que parece retirar os fatos do cotidiano, como uma espécie de diário, a trama segue até uma praia argelina onde Mersault, Marie e os amigos Raymond e Masson são abordados por um grupo de árabes. O confronto na praia termina com o protagonista disparando cinco tiros de seu revólver contra uma vítima desarmada, sem ter aparentemente um motivo plausível para tal reação. Um tiro derruba o suposto inimigo e mais quatro são disparados contra um corpo inerte. "Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz" narra Mersault, fazendo uma descrição que transforma o Sol, o calor e seu ato horrendo em um único retrato, com um significado que não está descrito nos tribunais que vão julgá-lo.

Essa mudança central no roteiro, que se torna fonte de todas as situações na prisão de Mersault, mostram que o personagem não se arrepende do que fez, mesmo diante da sociedade e da cobrança de uma ética em sua recuperação. E ele ainda teoriza sobre a vida na prisão, tendo um raciocínio totalmente fora da normalidade: "compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldade passar cem anos numa prisão".

O que Mersault revela, sendo uma criação distinta de Albert Camus, é que ele é um indivíduo que vive o chamado "estado de absurdo", explorado tanto na filosofia como nas artes, especialmente a dramaturgia. A pessoa absurda não está ligada ao passado histórico e cultural e, por isso, é livre de qualquer lógica e pode cometer qualquer ato impensado. Quando não há ligação com o futuro, essa pessoa também deixa de temer possíveis consequências de seus atos.

Do crime aos tribunais, Camus mostra nesse romance o retrato de seu tempo: ele foi um jornalista engajado na época da Segunda Guerra Mundial e das bombas atômicas. Mersault é a encarnação das aberrações que surgiram no século XX, fruto de um pensamento que rompeu com as tradições da modernidade, apesar do absurdo não ser um tema exclusivo de determino período histórico.

Pode-se condenar Mersault por seu assassinato, mas sua mente não sente culpa ou remorso. Ao transferir seu ponto de vista ao do personagem, porém, não podemos mais recriminá-lo, especialmente porque ele não acredita na justiça dos homens. "Durante as falas do promotor e do meu advogado, posso dizer que se falou muito de mim, e talvez até mais de mim do que do meu crime. Eram, aliás, assim tão diferentes os discursos?"

Um bom livro para ler em uma única tarde, tendo pouco mais do que 120 páginas em média, com frases e parágrafos curtos e diretos, embora o personagem seja fruto de análise profunda para muitos outros processos, situações ou mesmo épocas distintas.


DISPONÍVEL PARA EMPRÉSTIMO:
SETOR CIRCULANTE
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, c1957. 122 p. (2 ex.)
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1972. 154 p. (3 exs.)
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 1995. 122 p.

LIVROS DO AUTOR NA CIRCULANTE (DISPONÍVEIS PARA EMPRÉSTIMO):
Estado de sítio; O estrangeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. 298 p. (5 exs.)
O exílio e o reino. Rio de Janeiro: Record, 1997. 174 p. (2 exs.)
A morte feliz. Rio de Janeiro: Record, 1971. 147 p.
Núpcias, o verão. Rio de Janeiro: 1979. 143 p.
A queda. Rio de Janeiro: Record, c1956. 114 p.

LIVROS DO AUTOR NO ACERVO (DISPONÍVEIS APENAS PARA CONSULTA):
Calígula: peça em quatro atos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. 135 p.
O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989. 162 p.
A morte feliz. Rio de Janeiro: Record, 1971. 147 p. 
Núpcias, o verão. Rio de Janeiro: 1979. 143 p.
A peste.  Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1973. 283 p. (2 exs.)